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Volume de pedidos de recuperação judicial deve crescer neste ano

11/01/2023

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O número de pedidos de recuperação judicial registrado em todo o país em 2022 é o mais baixo dos últimos 8 anos. Um total de 833 empresas bateu à porta do Judiciário, segundo a Serasa Experian. Mas esse cenário de calmaria não deve permanecer em 2023.

Advogados dizem que muitas empresas se alavancaram com a oferta de crédito quando os juros estavam baixos, durante a pandemia, e agora - com a Selic 13,75% - não estão conseguindo honrar os pagamentos.

Essa situação pode ser comprovada por meio do Indicador de Inadimplência da Serasa Experian. Ele mostra que, no mês de novembro, o país tinha mais de 6,3 milhões de empresas no vermelho. É a maior quantidade atingida desde o início da série histórica do índice, em 2016.

Foram contabilizadas 45 milhões de dívidas negativadas - o equivalente a R$ 108 bilhões. Ainda segundo o levantamento da Serasa, a maior parte das empresas inadimplentes atua no setor de serviços (53,5%). Em segundo lugar aparecem as do comércio (37,5%) e em terceiro as indústrias (7,7%).

Algumas dessas empresas já foram bater na porta de escritórios especializados em insolvência. Advogados afirmam que começaram a ser mais procurados nos meses de novembro e dezembro.

“Houve um boom. Até assustou”, diz André Moraes, do Moraes & Savaget Advogados. “Cem por cento dos clientes que nos procuraram no fim de ano reclamaram do mesmo ponto. Pegaram empréstimo com taxa de juros a 3%, mais que triplicou, e a conta não fecha mais.”

Três clientes da banca entraram com o pedido de recuperação judicial no mês de dezembro. E, segundo Moraes, outros dois estão com a documentação preparada para pedir socorro ao Judiciário nestes primeiros meses de 2023.

“Durante a pandemia atuamos mais para setores afetados pelas medidas de isolamento. Hotéis, agências de turismo e empresas de transporte. Agora estamos vendo todos os setores precisando de ajuda”, frisa o advogado.

Também especialista na área, Juliana Bumachar, do Bumachar Advogados Associados, confirma a alta demanda no fim de ano e projeta aumento de pedidos para 2023. “As empresas vinham renegociando, mas chegou num ponto que apertou demais”, diz.

Ela afirma ter entrado com o processo de recuperação judicial de um de seus clientes, em São Paulo, no último dia para o recesso do Judiciário. Também em dezembro tiveram outros dois novos casos na banca. Um deles com passivo de R$ 1,2 bilhão.

No primeiro semestre do ano, o cenário não deve mudar. Não há estimativa de redução da taxa de juros. A projeção dos bancos é de que a Selic fique estável em 13,75% até maio. Em junho, quando começaria o ciclo de flexibilização monetária, cairia 0,5%.

“No atual cenário econômico, com os juros no patamar que estamos vendo, uma onda de reestruturação é provável. Mas o que vai ditar se esses processos serão ou não feitos por meios judiciais será a postura adotada pelos credores, principalmente os bancos, nesse ambiente de reestruturações”, afirma Renato Franco, sócio fundador da Integra Associados, consultoria especializada em recuperação de empresas.

Ele diz isso porque houve, durante a pandemia, uma mudança de comportamento dos credores - bancos, especialmente. Passaram a demonstrar muito mais disposição para negociar. Inclusive concedendo prazos e descontos que antes só se conseguia por meio da recuperação judicial.

Com essa postura - e oferta de crédito - as empresas conseguiram resolver os seus problemas financeiros fora do Judiciário e o número de pedidos de recuperação caiu. Em 2020 foram registrados 1.179 e em 2021, 891, segundo dados da Serasa.

No período pré-pandemia, os índices eram mais altos. Os piores anos da série histórica são 2016 e 2017. Em 2016, quando teve o impeachment de Dilma Rousseff, foram registrados 1.863 pedidos de recuperação judicial. É mais que o dobro do que se tem hoje.

Advogados dizem que 2022 foi um “rescaldo” do que se viu em 2020 e 2021. O problema, agora, afirmam, é que as empresas podem não ter fôlego para renegociar. “Não existem mais garantias para oferecer aos bancos”, diz André Moraes.

Vicente de Chiara, diretor jurídico da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), afirma, no entanto, que a situação atual está muito distante do cenário de 2016 e 2017 e frisa que as instituições financeiras continuarão priorizando as negociações extrajudiciais.

Segundo De Chiara, todos os grandes bancos reestruturaram os seus departamentos de crédito e cobrança e têm, hoje, equipes focadas em trabalhar junto com as empresas para resolver o problema.

“Isso tem sido feito com muito afinco nesse período de pandemia e pós-pandemia. Percebeu-se que é melhor para todo mundo antecipar o passo. Ao invés de deixar a empresa pedir recuperação e a partir da recuperação sentar para negociar, antecipa. É melhor para todo mundo”, diz.

Além do fator pandemia, afirmam advogados, as soluções extrajudiciais também foram impulsionadas pela nova Lei de Recuperações e Falências, que entrou em vigor em janeiro de 2021.

Agora, as empresas podem, por exemplo, se utilizar do chamado stay period fora do processo de recuperação judicial, ou seja, enquanto tentam negociar com os credores. Esse mecanismo suspende as ações de cobrança contra a devedora.

Os prazos, no entanto, são diferentes. Nas recuperações judiciais, as ações de cobrança ficam suspensas por 180 dias. Já para as negociações a nova lei prevê até 60 dias.

A nova norma também deu força para as recuperações extrajudiciais. Tanto na judicial como na extrajudicial, o devedor reúne os seus credores para negociar. Elabora-se um plano de pagamento - geralmente com prazo de carência, descontos e o parcelamento dos valores. Se a maioria dos credores aprovar tais condições, todos os outros ficam vinculados e receberão o que lhes é devido da mesma forma.

Muda de uma modalidade para a outra, no entanto, a quantidade de credores envolvida. Na judicial, são submetidas todas as dívidas contraídas até a data de início do processo (há exceção para débitos fiscais e valores com garantia fiduciária).

Já na extrajudicial, a devedora escolhe os credores com quem deseja negociar - o que a permite, por exemplo, poupar fornecedores, evitando se indispor com quem é essencial ao negócio. Essa negociação ocorre sem que haja interferência do Judiciário. Só depois de aprovado pelo grupo de credores, o plano de pagamento é levado para a homologação de um juiz.

Antes da nova lei, era necessária a concordância de 50% dos credores com quem a devedora escolheu negociar. Agora, se o devedor tiver um terço de aprovação do plano de pagamento, ele comunica o juiz e ganha um prazo de 90 dias para tentar convencer os demais - e chegar aos 50%.

Durante esse período, as ações de cobrança ficam suspensas. Se mesmo depois desse prazo o devedor não conseguir a aprovação, ele ainda pode entrar com pedido de recuperação judicial.

 

Fonte: Valor econômico